A difícil tarefa de superar uma ilusão
O fim da ilusão de que o Banco do Brasil era uma fonte inesgotável de recursos para o desenvolvimento econômico do País foi traumático. E definir, aprovar e implantar um projeto para salvar o banco de uma derrocada foi um parto difícil, que durou quase 30 anos.
Tudo começou com a Lei 4.595, de 1964, que promoveu a primeira grande reforma bancária. O objetivo era criar um Banco Central independente e acabar com a condição privilegiada do BB, que tinha acesoo ilimitado ao redesconto, na época administrado pela Sumoc.
Os mecanismos que proporcionavam ao BB recursos para atender toda a demanda de crédito representavam enorme dificuldade à administração da política monetária.
Os funcionários do BB resistiram à criação de um BC. A lei ganhou então um capítulo especial, preservando o papel de fomentador da atividade econômica. O Artigo 19 dessa lei foi, porém, uma nova fonte de distorções, pois obrigava o Conselho Monetário Nacional (CMN) a suprir o BB de recursos para essa finalidade.
A lei aprovada no final de 1964 sem que houvesse uma proposta concreta de separação do BB do BC, que deveria ser criado em abril de 1965. Às vésperas da data-limite, o impasse continuava.
A solução proposta foi à criação de uma “conta movimento”- que deveria ser provisória. Num primeiro momento, o BB era credor do BC. A situação temporária, rapidamente transformou-se em uma “rosca sem fim”.
“O BB expandia o crédito por determinação do governo e mantinha uma conta em aberto- o volume de empréstimos era determinado não pela capacidade de captação do banco, mas da demanda,” explica o economista Maílson da Nóbrega, funcionário de carreira do BB e o ministro da fazenda responsável pelo ajuste do banco, na década de 80. “O BB emprestava, e o BC ia atrás lançando os papéis”, conta.
“O BB pagava ao BC 1% ao ano e cobrava taxas de mercado dos agricultores e exportadores.” “Parecia o banco mais rentável do mundo” relata Maílson.
Mas com a alta dos juros e da inflação, que inaugurou a era da correção monetária, em meados dos anos 70 vieram medidas como a imposição de limites às operações do BB. No início dos anos 80, a crise da dívida externa piorou a situação.
O BB havia se expandido no Exterior com velocidade, mas calçado com um mecanismo semelhante à “conta-movimento”: a reciclagem de petrodólares que estavam escasseando.
De acordo com Maílson, naquela época descobriu se que a aparente eficiência do BB era no mínimo discutível: internamente, sustentava-se por custos subsidiados e, externamente, por uma questão conjuntural e passageira.
Para completar, o País quebrou em setembro de 1982. O BC passou a queimar reservas próprias e também do BB que nesse período se viu na “humilhante” situação de ter seu caixa fechado diariamente por três bancos estrangeiros, em Nova York.
A situação ficou mais dramática no ano seguinte, quando o governo percebeu que teria que agir para evitar a falência. Foi criado um grupo de estudos, com a tarefa de dar mais transparência ao sistema financeiro e eliminar a “promiscuidade” que havia entre BC, BB e Tesouro Nacional.
Em 1984, o grupo propôs o fim da “conta-movimento”, a criação da Secretaria do Tesouro, o fim do orçamento monetário, a transferência da administração da dívida pública do BC para o Ministério da Fazenda, e a submissão da dívida ao congresso. O projeto foi barrado na Justiça, mas a ideia resistiu.
Ás vésperas do Plano Cruzado, em 1986, ganhou apoio do então ministro da Fazenda, Dilson Funaro, que acabou com a “conta-movimento” e criou a Secretaria do Tesouro.
Léa de Luca
São Paulo
Publicado no Jornal Gazeta Mercantil. (sexta-feira, 13 de novembro de 1998) Relatório. Página 4.