A identidade cultural na pós-modernidade.

A identidade cultural na pós-modernidade.

Resenha.

É indiscutível a satisfação que, como pesquisadores, sentimos ao ler
um livro que amplia as compreensões sobre determinado assunto. Mais
do que apenas ler, é encontrar e explorar esses escritos, os quais nos
auxiliam na “desconstrução” de conceitos e na reconstrução do
conhecimento, ampliando assim nossas lentes sobre o assunto pesquisado.
Assim acontece em A identidade cultural na pós-modernidade, livro escrito
por Stuart Hall e editado pela DP&A.

Stuart Hall (1932-2014) foi um jamaicano que viveu e trabalhou
na Inglaterra, transitando constantemente entre culturas diferentes em
seu próprio processo identitário. Esta experiência o motivou e inspirou
para as reflexões que construiu acerca da identidade, dentro da perspectiva
dos estudos culturais.

O autor faleceu recentemente (fevereiro de 2014)
e deixou para os pesquisadores um primoroso legado científico, sendo
alguns de seus escritos mais importantes: Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais; Raça, cultura e comunicações: olhando para trás e para frente dos estudos culturais; Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo e Da diáspora: identidade e mediações culturais. Da mesma forma, a obra A identidade cultural na pós modernidade elaborada por Stuart Hall contribui para esse arsenal de
produções que discutem cultura e identidade.

O livro tem como propósito apresentar algumas questões de
identidade cultural, contemplando os conceitos de sujeito e identidade
do período da modernidade até a pós-modernidade. Analisa a possível
existência de uma crise de identidade, investigando os caminhos
percorridos por essa crise e propondo novos olhares para a temática da
identidade.

O primeiro capítulo, intitulado “A identidade em questão”, introduz
a temática do livro, de forma clara e coerente. Inicia sinalizando as
concepções de identidade que permeiam o sujeito desde o Iluminismo.

A partir de seus estudos, Stuart Hall distingue três concepções de
identidade do ser humano: o sujeito do Iluminismo, que é o indivíduo
centrado e dotado de capacidades de razão; o sujeito sociológico, presente
no mundo moderno e que não é independente, uma vez que se forma
pela relação que estabelece com os outros; e o sujeito pós-moderno, o
qual não possui uma identidade fixa, promovendo assim esse debate em
torno da crise de identidade.

Tendo em vista a distinção apresentada dessas concepções de
identidade, o autor aponta a mudança ocorrida na modernidade tardia,
a qual está intrinsecamente vinculada à questão da identidade do sujeito.
Baseado na compreensão de diferentes autores, Stuart Hall contextualiza
seu entendimento de sociedade moderna e das sociedades da
modernidade tardia.

A relação entre essas sociedades e a questão da
identidade construída pelo autor torna-se interessante e provocativa,
uma vez que pontua as descontinuidades da sociedade moderna e as
diferentes posições de sujeito que o indivíduo carrega consigo na
modernidade tardia, ocasionando essa crise de identidade.

A partir dessas provocações e desses tensionamentos, Stuart Hall
elabora o segundo capítulo do livro, “Nascimento e morte do sujeito
moderno”, abordando a forma como o sujeito entra na modernidade e
de como se “despede” desse período. Caracteriza o sujeito do início da
modernidade como individualista, trazendo consigo resquícios de outros
períodos, como o Humanismo renascentista, em que o homem era o
centro do universo, e o Iluminismo, momento em que o foco encontrase
no homem racional e científico. Contudo, ao passo que a sociedade
moderna se torna mais complexa, coletiva e social, em função das
transformações em nível econômico e político, o ser humano também
modifica sua identidade, passando a ser visto mais como um ser “definido”
no interior dessas novas estruturas de sociedade.

Dessa forma, originou se o sujeito sociológico, que estabelece sua identidade por meio das relações que constrói, sendo esse o sujeito central do tempo moderno.

O descentramento do sujeito sociológico ocorre, segundo o autor,
em virtude de cinco avanços das ciências humanas realizados na
modernidade tardia, ocasionando, assim, o “falecimento” do sujeito da
época moderna. Bem-elaborados e fundamentados por Hall, os cincos
avanços e, por que não dizer, “motivos” do descentramento do sujeito
foram: as tradições do pensamento marxista, que trouxeram à tona
diferentes interpretações do trabalho de Marx e suscitaram contradições
e questionamentos sobre a posição do sujeito na sociedade; a descoberta
do inconsciente por Freud, que defende a identidade como algo móvel,
formada por processos conscientes e inconscientes do sujeito.

O trabalho do linguista Ferdinand de Saussure, que afirma que não somos os autores das afirmações que fazemos, uma vez que toda afirmação carrega ecos dos nossos significados e de muitos outros, pois o que dizemos tem um “antes” e um “depois”;

O estudo e trabalho do poder disciplinar realizado
por Michel Foucault, que propunha manter os sujeitos, com seus modos
de ser e agir, em estrito controle e disciplina, sendo este o produto das
instituições coletivas da modernidade tardia; e o quinto e último avanço
apresenta o feminismo, assim como os movimentos que emergiram e
marcaram os anos 60, os quais buscavam salientar a identidade social de
cada grupo. Especialmente o feminismo, que mais do que questionar a
posição da mulher na sociedade, proporcionou críticas e reflexões em
torno das identidades sexuais e de gênero.

A partir desses cinco tópicos minuciosamente analisados por Hall,
compreende-se a efetiva descentralização do sujeito e da sua identidade
no período moderno e na modernidade tardia. Após essa interessante
análise das mudanças nos conceitos de sujeito e identidade, Stuart Hall
nos desafia a pensar sobre a identidade cultural nacional e seus
deslocamentos ocasionados pela globalização.

Essa reflexão permeia os capítulos 3, 4 e 5 do livro e remonta um
cenário crítico em torno da noção de identidade nacional que temos e
que, na verdade, construímos e “representamos”.

Para o autor, o inglês, por exemplo, tem suas características nacionais porque criamos um emaranhado de representações em torno dessa identidade nacional, definindo padrões, símbolos, língua, modos de pensar e de agir, compondo uma cultura específica. Entretanto, essa identidade nacional do inglês não é única e exclusiva.

Partindo desse exemplo, Stuart Hall critica esses modos de perceber
as identidades culturais nacionais, que, muitas vezes, soam como formas
naturais e neutras.

Sua crítica acerca de uma identidade nacional unificada
torna-se muito coerente, ao passo que fundamenta sua análise nas
diferenças existentes em uma mesma nação, como o gênero e a etnia.
Além disso, afirma que, em virtude da globalização, diversos
deslocamentos ocorreram no interior dessas identidades culturais
nacionais, promovendo o foco para identidades locais e regionais, assim
como um hibridismo das culturas originado pela migração dos povos.

Para encerrar o livro, no 6º capítulo, Hall amplia a compreensão de
hibridismo, sinalizando que as identidades culturais são híbridas, ou
seja, movidas por mudanças, encontros e desencontros. Dessa forma,
reforça seu entendimento em torno da identidade, alegando que não é
possível afirmar que temos uma “identidade”, mas que somos compostos
por uma identificação, passível de mudança e transformação.

Ao longo de todo o livro, o autor discute a questão da identidade,
questionando sobre o que, efetivamente, consiste a dita crise de identidade
e afirmando a urgente necessidade de repensarmos o nosso entendimento
de identidade, visto que as sociedades foram, ao longo do tempo,
marcadas por transformações, que influenciaram as maneiras de
compreender os sujeitos e sua cultura.

Mais do que falar em identidade, Stuart Hall sugere uma nova maneira de trabalharmos com a temática, percebendo que toda identidade é móvel e pode ser redirecionada, indicando a possibilidade de utilizarmos o termo identificação ou a expressão processo identitário para compreender de maneira mais significativa as representações que formam (e transformam) as culturas, os sujeitos e os espaços.

Não é apenas uma mudança na nomenclatura. Ao analisarmos os
escritos de Stuart Hall, identificamos a honestidade intelectual do autor
ao adotar identificação para sinalizar e compreender as identidades
culturais, uma vez que defende que nenhuma identidade é fixa ou imóvel,
e que não somos capazes de encontrar verdades absolutas sobre as
identidades. Dessa forma, evidencia que somos constituídos por
representações, sendo essencial compreendermos o mundo por esse olhar,
em que as mudanças acontecem, as culturas se misturam e as certezas
são inconstantes.

Ao percorrermos os escritos de cada página, percebemos que a leitura
desse livro promove uma desconstrução de nossas crenças em torno

daquilo que entendemos por identidade, desafiando-nos a pensar em
processos identitários, os quais estão em constante modificação e são
compostos por diferentes olhares, em distintos tempos e espaços.

Não é apenas um livro que aponta conceitos sobre a temática. Ao contrário:
chegou em boa-hora, para desmitificar, desconstruir e propor uma reflexão
sobre a categoria identidade, lançando voos mais altos para aqueles que
ousam pesquisar os processos identitários e as culturas.

HALL, Stuart. A identidade cultural 12
na pós-modernidade.

  1. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

Júlia Poletto*
Lúcio Kreutz**

  • Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educção na Universidade de CaxiasdoSul
    (UCS). E-mail: ju.t.poletto@gmail.com
    ** Doutor em Educação pela PUC/SP. Professor no PPGEdu da Universidade de Caxias do Sul
    (UCS), Caxias do Sul – RS – Brasil. E-mail: lkreutz@terra.com.br

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