A inspiradora história da luta de Burke contra os “New Whigs”

A inspiradora história da luta de Burke contra os “New Whigs”

Edmund Burke (1730-1797) foi um político irlandês do Partido Whig, de princípios liberais e anti-absolutistas, que se opunha ao Partido Tory, mais conservador. Ele sempre foi reconhecido em seu partido como um grande defensor da liberdade, como quando ele defendeu o direito dos colonos americanos contra os abusos do governo inglês, ou quando defendeu a liberdade de culto dos católicos na Irlanda.

Em 1789, porém, começou a Revolução Francesa, e desde então esta já tinha certas tendências igualitaristas e centralizantes, e chegavam boatos à Inglaterra de barbaridades que o povo da França estava cometendo contra os nobres, o clero, e até mesmo alguns liberais moderados. Burke resolveu se opor a essa tirania, escrevendo seu Reflexões sobre a Revolução na França (1790).

Em decorrência dessa obra, em forma de carta, um dos líderes do partido, e grande amigo de longa data de Burke, Charles James Fox (1749-1806), opôs-se a Burke e apoiou a Revolução Francesa. Burke foi ostracizado por grande parte do partido.

Embora também não fosse pouca gente que concordava com ele, muitos destes estavam com medo de se expressarem e receber oposição de Fox e seus aliados, e serem também ostracizados pelo partido. Burke teve que se defender quase sozinho contra muita gente no parlamento inglês. Em razão disso, ele também encerrou sua amizade com Fox.

Devido a esses acontecimentos, Burke resolveu escrever um panfleto, inicialmente anônimo, no qual ele se auto-referia em terceira pessoa como “Mr. Burke”. Chamado An Appeal from the New to the Old Whigs (1791), Burke buscava defender os princípios “Old Whig“, o qual ele julgava ser o verdadeiro whiggismo, contra os princípios “New Whig“, daqueles que apoiavam a Revolução Francesa. Se Burke estava certo ou não, eu só posso dizer que o whiggismo da Revolução Gloriosa até perto da Revolução Francesa (whiggismo da Velha Guarda, para Burke) era essencialmente a favor da liberdade e contra a tirania, seja esta feita por qualquer grupo. Conceitos como igualdade e democracia não eram centrais.

Eles poderiam até existir, mas eram marginais em relação a conceitos como liberdade, paz e justiça, como se vê, por exemplo, nas obras de Locke e Smith (1), e posteriormente nos trabalhos de Lord Acton. Como Burke coloca, os New Whig têm uma forte influência do conceito “francês” de liberdade, que não marcava presença nos Old Whig. Além disso, o iluminismo essencialmente britânico (de autores como Smith, Hume e Ferguson) sempre prezou pelas instituições que surgiram espontaneamente e, em consequência, pelas reformas lentas e cautelosas, como Burke pregava e atribuía aos Old Whigs. Em oposição a isso está o iluminismo francês (2), tipicamente racionalista, principal inspirador da Revolução.

Nos anos seguidos a esses acontecimentos, Burke vivia denunciando, no parlamento inglês, as tiranias dos franceses revolucionários contra seu próprio povo, recebendo constante oposição dos que ele chamava de “New Whigs”, liderados por seu ex-amigo, James Fox.

Pouco antes de sua morte, Burke alegou que seu estômago estava “irremediavelmente arruinado”. Depois de ouvir que Burke estava próximo de morrer, seu antigo amigo James Fox quis saber sobre ele, enviando-lhe uma carta. Já no dia seguinte, Fox recebeu a seguinte carta de Burke, este escrevendo novamente em terceira pessoa:

“Mrs. Burke apresenta seus cumprimentos a Mr. Fox, e o agradece por seus prestativos inquéritos. Mrs. Burke comunicou sua carta a Mr. Burke, e por seu desejo tem que informar a Mr.

Fox que custou a Mr. Burke a mais sincera dor no coração em obedecer a rígida voz de seu dever ao despedaçar sua longa amizade, mas que ele julgava esse sacrifício necessário; que seus princípios continuam os mesmos; e que o quanto de vida lhe restar, ele acredita que deve viver para os outros, e não para ele mesmo. Mr. Burke está convencido de que os princípios que ele esforçou-se em manter são necessários ao bem-estar e à dignidade de seu país, e que esses princípios só podem ser cumpridos pela persuasão geral de sua sinceridade.”

Burke morreu pouco mais de um ano depois, em 9 de Julho de 1797, em Beaconsfield, na Inglaterra, tendo sido enterrado ao lado de seu filho e seu irmão. Durante sua vida nunca abandonou o Partido Whig. Seu legado serviu de inspiração para alguns dos maiores liberais e conservadores dos séculos posteriores.

Notas:

1 – Adam Smith era um grande amigo de Burke, como se vê aqui:

“Um dos biógrafos do estadista nos informa, na autoridade de um amigo literário eminente que fez a Burke uma visita a Beaconsfield depois de sua retirada da vida pública, que lá ele falava com a mais calorosa admiração do vasto conhecimento de Smith, de seu profundo intelecto e da grande importância de seus escritos, e acrescentava que seu coração era tão bom e raro quanto sua mente, e que seus costumes eram “peculiarmente agradáveis”.

Smith, de sua parte, dirigia-se a Burke com uma atração não menos poderosa. Ele uma vez lhe rendeu um elogio com o qual o último parece ter sido particularmente grato, já que o repetiu para seu amigo literário na mesma ocasião. “Burke”, dizia o economista, “é o único homem que eu já conheci que pensava sobre questões econômicas exatamente como eu, sem que houvesse tido qualquer comunicação prévia entre nós”.” John Rae, The Life of Adam Smith, Chapter XXVII

Ao que parece, Smith também não via com bons olhos o radicalismo da Revolução Francesa, pois um ano após o estopim da Revolução, em 1790 (mesmo ano da publicação de Reflexões sobre a Revolução na França), Smith adiciona esse trecho (um parágrafo depois do qual está a famosa citação sobre “o homem de sistema”, que também foi adicionada na mesma ocasião), em The Theory of Moral Sentiments:


“O homem cujo espírito público está completamente incitado pela humanidade e benevolência, respeitará os poderes e privilégios estabelecidos até mesmo dos indivíduos, e ainda mais das grandes ordens e sociedades nas quais o estado está distribuído. Embora ele deva considerar alguns deles em certa medida abusivos, ele irá se contentar em moderar o que não pode aniquilar sem grande violência.

Quando ele não puder dominar os preconceitos enraizados das pessoas pela razão e persuasão, ele não irá tentar domá-los pela força; mas irá observar religiosamente o que, em Cícero, é com justiça chamado de a máxima divina de Platão, de nunca usar violência a sua pátria em qualquer medida mais do que a seus próprios pais. Ele irá acomodar, tanto quanto pode, suas disposições públicas aos hábitos e preconceitos estabelecidos das pessoas; e ele remediará, tanto quanto puder, as inconveniências que podem fluir da falta daquelas regulações às quais as pessoas têm aversão em se submeter.

Quando ele não puder estabelecer o correto, ele não irá desprezar a remediação do ruim; mas, como Sólon, quando ele não puder estabelecer o melhor sistema de leis, ele irá buscar estabelecer o melhor que as pessoas puderem suportar. (…)

Alguma ideia geral, ou até mesmo sistemática, da perfeição da política ou da lei, sem nenhuma dúvida pode ser necessária para direcionar as visões dos estadistas.

Mas insistir em estabelecer, e estabelecer de uma vez, e apesar de toda oposição, tudo que aquela ideia pode parecer requerer, muitas vezes corresponde ao mais alto grau de arrogância. Significa erigir seu próprio julgamento como o padrão supremo de certo e errado. É imaginar a si mesmo como o único sábio e digno de atenção da comunidade, e que seus concidadãos deveriam se acomodar a ele, e não ele a eles.”

John Locke também avisa sobre os problemas da tirania, e os decorridos da destruição de um governo, que pode muito bem se aplicar à Revolução Francesa:


“Seja quem for, governante ou súdito, que tente pela força invadir os direitos do príncipe ou do povo e determinar a base para a derrubada da constituição e da estrutura de qualquer governo justo, ele é altamente culpado do maior crime de que um homem é capaz, e deve responder por todos os males do sangue derramado, da rapina e da desolação que o destroçamento de um governo traz para um país. Aquele que age assim merece que a humanidade o considere como um inimigo comum e como uma peste, e como tal deve ser tratado.” John Locke, Segundo Tratado sobre o Governo Civil


Além disso, seus princípios para a ação de qualquer governo dizem respeito a apenas à liberdade, e podem se aplicar a qualquer tipo de governo (ponto 142 de seu Segundo Tratado). E seu conceito de liberdade era de liberdade dentro da lei.


2 – É oportuno notar que na França havia algumas exceções ao iluminismo racionalista, muito bem apontadas por Hayek. Como exemplo temos os “anglófilos” Montesquieu, Benjamin Constant e Tocqueville, que seriam de fato melhor caracterizados como fazendo parte da tradição britânica, não da francesa.

Por Guilherme Cintra
Do blog Lib-Conservatism

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