Amazônia guarda vestígios da presença humana na floresta.
Livro ‘Na rota dos arqueólogos da Amazônia’ retrata a diversidade da floresta
Painel do Pilão. Solange Bastos em Monte Alegre, no Pará, próximo ao sítio arqueológico mais antigo da Amazônia, de 13 mil anos.
Quando chegaram à Amazônia, no fim do século XVI, os europeus não encontraram construções monumentais como as cidades incas, as pirâmides maias ou os templos astecas.
Ao contrário do que ocorria nas mais importantes civilizações da América pré-colombiana, as casas da selva brasileira eram feitas de material biodegradável, e nenhuma autoridade prevalecia sobre toda a região.
Estas diferenças deram margem a teorias que reinaram até poucas décadas atrás, concebendo a floresta como um inferno verde, onde sobreviviam apenas índios selvagens e aculturados.
Agora, no entanto, o crescente encontro de vestígios na mata indicam como a História da floresta e de seus habitantes é muito mais rica. Um levantamento recente realizado pelo Laboratório de Arqueologia dos Trópicos identificou cerca de 2.700 sítios arqueológicos na Amazônia. Os pesquisadores acreditam que muitos mais podem ser descobertos.
A Amazônia não é uma coisa só. Os povos que nela viveram nos últimos milhares de anos se alternaram, coexistiram, guerrearam — conta a jornalista Solange Bastos, autora do livro “Na rota dos arqueólogos da Amazônia” (editora Família Bastos), que será lançado hoje, às 18h, no Auditório da OAB, no Rio. —
Não é uma História linear. Hoje é possível ver sua mobilidade, as marcas de construções como reservatórios, as figuras feitas no chão e os objetos de culto aos ancestrais.
VÁRIAS TRIBOS E GUERRAS
A diversidade de vestígios e costumes impressiona os arqueólogos. Um exemplo é a Ilha de Marajó, no Pará. Lá, no século XVII, havia 29 tribos, como anajás, aruans, pancacas, guarajás e pixipixis, que falavam idiomas diferentes e viviam em guerra.
O resultado dos confrontos mostra outra diferença entre as comunidades amazônicas e as andinas. Nestas, as terras altas obrigavam os derrotados a se subordinarem aos vencedores para que continuassem a ter acesso a recursos. Na Amazônia, a fertilidade das várzeas ribeirinhas permitia o deslocamento dos perdedores para outras regiões.
As populações tinham muita mobilidade, porque corriam atrás de recursos, mas mantinham poderes muito determinados — destaca Eduardo Neves, pesquisador do Museu de Arqueologia da USP. — Vimos diversas estradas que serviam para o trânsito de artigos como cerâmicas, que foram levadas da Amazônia para os Andes. Seis mil anos atrás, a população amazônica era dez vezes maior do que a hoje, e equivalia à que ocupava o litoral e o planalto central. À época da chegada dos europeus, cerca de cinco milhões de índios viviam na região.
Muitas pessoas sobreviviam como caçadores e coletores, mas também praticavam a agricultura — conta Claide Moraes, professor da Universidade Federal do Oeste do Pará. — Ao compararmos a cerâmica e outros artefatos que eram produzidos, descobrimos a existência de populações que construíram vários centros políticos.
Os colonizadores do Velho Mundo contribuíram para o radical desaparecimento dos índios. No entanto, alguns séculos antes dos europeus, as comunidades locais já haviam sofrido um duro golpe.
A população declinou radicalmente há mil anos, por causas ainda desconhecidas. Podem ter sido epidemias ou grandes conflitos — cogita Moraes.
Na época da chegada dos europeus, as tribos estavam começando a se recuperar desta queda, mas eles trouxeram as doenças contra as quais os índios não tinham imunidade, como gripe e sarampo, e ainda os submeteram à escravidão. Então, quando os naturalistas chegaram na selva, a partir do fim do século XVIII, encontraram poucas pessoas, muitas escondidas. Veio daí a ideia da Amazônia densa, mas jamais ocupada.
A exploração do passado da Amazônia oscila entre uma aliada e um obstáculo. Os pesquisadores elegeram a terra preta, encontrada principalmente perto de rios, como uma grande fonte de informação.
Este solo é resultante da imensa decomposição de material orgânico como cinzas, resíduos de peixes e ossos, entre outros. E seus componentes químicos têm uma grande estabilidade, mesmo sujeitos a fortes chuvas.
A terra preta é produto da presença humana contínua em determinados locais — explica Bruna Rocha, professora de Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará.
O homem alterou estes locais, deixou seu pH mais próximo ao neutro, em contraste com os solos naturais amazônicos, que tendem para a acidez.
Já o rival dos pesquisadores é o descaso com as regiões que poderiam ser estudadas. O município de Santarém, o terceiro mais populoso do Pará, foi construído sobre um grande sítio arqueológico.
Na era pré-colombiana, tratava-se de um importante centro político da tribo dos marajoaras. Outra região indígena devastada com o passar dos séculos foi a Ilha de Santo Antônio, no Rio Madeira, onde os vestígios milenares sumiram sob as obras de uma hidrelétrica.