Da colônia ensolarada ao século XX
Dossiê Banco do Brasil
A conturbada história de uma instituição que procurou promover o desenvolvimento capitalista
Os ventos da modernização bateram no Brasil com a chegada à Bahia, em janeiro de 1808 de D. João VI e grande parte a corte portuguesa. Acossado pelas tropas de Napoleão, o Pobre D. João, acompanhado de sua neurótico mulher Carlota Joaquina, foi obrigado a atravessar o Atlântico como um cão fugido, sobre proteção da Marinha de Sua Majestade Britânica.
Para ele, a chegada á sua ensolarada colônia do Brasil teve o sabor de recuperação do orgulho ultrajado. Isso ajuda a explicar a notável desenvoltura que o rei então demonstrou no uso da pena como construir, por leis e alvarás, um novo estado em terras tropicais.
Ainda na Bahia. Onde ficou só dois meses, ele decretou a abertura dos portos as nações amigas e fundou a Companhia de Seguros Boa fé, a primeira instituição financeira brasileira.
Transferindo se para o Rio de Janeiro, além de inovadoras medidas na área cultural, ele proibiu o comércio de ouro em pó, padronizou as moedas de ouro, prata e cobre e, por alvará de 12 de outubro de 1808, crio o Banco do Brasil.
Ao passar a ser governado pelo próprio rei e não por vice-reis o Brasil experimentou uma das mais fundas mudanças de sua história. Antes a riqueza da colônia era transportada às arrobas para a metrópole ficando aqui apenas outro suficiente para dourar algumas caprichosas igrejas barrocas. Junto com D. João VI, veio o caixa, o Tesouro, e o dinheiro passou a correr alegremente na praça, mas o ciclo de prosperidade durou pouco.
Treze anos depois, D. João, constrangido pelas Cortes portuguesas, tendo aqui deixado seu herdeiro, D. Pedro, embarcou de volta para Portugal em 21 de abril de 1821. Com seu séquito, ele levou a fortuna acumulada do novo reino do qual continuava sendo o senhor absoluto.
O Banco do Brasil foi então literalmente saqueado, tendo o rei retirado não só os fundos que supostamente deviam pertencer-lhe, como os diamantes da Coroa, anteriormente entregues em doação e que constituíam o lastro do estabelecimento.
Ainda mais: os fidalgos de maior valia, detentor de papel-moeda emitido pelo Banco, fizeram com que o calor das notas fosse transformado em ouro em barras para ser embarcado para a metrópole.
“Concebe-se” escreveu Afonso Arinos de Melo Franco, autor de um clássico sobre a história do Banco do Brasil, “que este verdadeiro saque, propalado e talvez exagerado pela pequena cidade que era o Rio de Janeiro antanho, tenho e contribuído bastante para aumentar a falta de confiança no Banco. O último apoio, que era a sinceridade da proteção do governo, se esboroava a vista de todos”.
Além de privar o banco de praticamente todo o seu capital e reservas, a Corte portuguesa deixou uma pesada herança para uma instituição que se tornaria exclusivamente brasileira a partir da Independência em sete de setembro de 1822.
O governo português contratou em 1821 um empréstimo na Inglaterra no valor de 20 milhões de cruzados em nome do Banco e do Erário, que seria pago com a renda das quatros principais alfândegas do reino.
Começa exatamente aí a história da dívida externa brasileira. Naturalmente, os bancos credores, quando o governo procurou negociar novos empréstimos depois da Independência, sempre exigiam que as obrigações anteriores fossem também consideradas, como o foram.
Sem praticamente nada para forrar os cofres, vivendo de expedientes e de sonhos, o Banco conseguiu, porém, sobreviver até 23 de setembro de 1829, quando a Câmara do Império, cansadas de abstrações financeiras, o declarou extinto.
A liquidação por inadimplência prolongou-se até 1832 quando D. Pedro I já havia abdicado do trono em seu favor de seu filho D. Pedro II, então com cinco anos. E todas as iniciativas tomadas desde então para reinstituir o estabelecimento com a denominação de Banco do Império do Brasil haviam falhado.
Daí em diante, O Brasil passou nove anos sem banco algum. Só em 1838, um grupo de capitalistas funda o Banco Comercial do Rio de Janeiro, ao qual se seguiram outros estabelecimentos como o Banco da Bahia, o Banco Comercial do Maranhão e o Banco do Pará.
Surge também o que viria ser o maior dos novos bancos- o Banco do Comércio e Indústria do Brasil, fundado em 1851 por Irineu Evangelista de Souza, barão e depois visconde de Mauá. O nome do seu banco, em um período de fantástica prosperidade de seu controlador logo mudou para Banco do Brasil.
Como outras instituições, o BB tinha o direito de emitir quase-moeda (vales à vista), na justa proporção de seu capital. Com o tempo, verificou-se que os vales à vista estavam sendo usados como dinheiro corrente e que teria havido abuso em sua emissão. Apesar disso era muito limitada à capacidade de expansão da moeda, que não chegava a satisfazer às necessidades do desenvolvimento que o País vinha tendo depois da maioridade de D. Pedro II.
Havia reconhecimento o que chamaríamos hoje de crise de liquidez. Muitos parlamentares, fazendeiros e homens de negócios estavam convencidos de que era preciso criar um banco emissor de papel-moeda de curso legal, que concorresse para o aumento do crédito e da riqueza nacional.
Como dizia então o ministro da fazenda, Rodrigues Torres (depois visconde de Itaboraí): “A riqueza pública e com ela a soma das transações tem crescido; o espírito industrial começa a desenvolver-se de uma maneira pronunciada; e, por fim, a insuficiência de papel-moeda é atestada pela presença de 16 a 20 mil contos metálicos, com que se acha aumentada a massa do meio circulante”.
E, como bem Itaboraí, o governo às vezes não poderia deixar de intervir. Em 1853 diante de um aperto de crédito, contração nas transações comerciais e uma grande alta de juros na Praça do Rio, o governo concedeu um empréstimo aos bancos Comercial e Banco do Brasil para aliviar a situação.
Concluiu o governo que a solução mais fácil seria criar um único banco emissor através da fusão das duas instituições de maior projeção no País, que eram justamente os Bancos Comerciais e o do Brasil.
Como explica Cláudio Pacheco, que continuo a história do BB no ponto que Afonso Arinos a deixou, “era preciso que justamente um Banco, o novo tivesse o poder de emitir”. Ora, por via deste princípio, a capacidade emissora teria de ser cassada a todos os bancos existentes na Corte e nas Províncias.
Como esta medida poderia causar verdadeira comoção financeira, foi preciso aplicar o ato de misericórdia, pelo qual, em lugar de serem levados a grandes dificuldades, correndo risco de uma ruína resultante da perda daquela capacidade emissora, os bancos existentes no Rio de Janeiro foram compelidos, através de negociações e de justas compensações, a aceitaram sua extinção através da fusão.
O estabelecimento resultante da fusão ficou conhecido com o nome de Banco do Brasil, que começou a operar sobre controle oficial em cinco de dezembro de 1853.
A instituição, que passava a ter a faculdade exclusiva da emissão de moeda, contava com participação dos antigos sócios e de outros que atenderam ao edital de subscrição.
Significativamente o barão de Mauá não participou da diretoria do novo BB, ao qual o seu estabelecimento fora à força incorporado, o que era mais um dos sinais da antipatia que votava S.M o Imperador D. Pedro II.
Como conta Jorge Caldeira em “Mauá- Empresário do Império” o barão, “contra” a ação do governo nada podia fazer. Um simples discurso de um ministro já havia provocado uma crise em seu banco e um ataque frontal do governo significaria o seu fim. “Em vez de insistir numa guerra perdida, em precária situação por causa de uma cadeia de empréstimos para ele mesmo e suas empresas, ele optou por entregas os pontos.” O barão de Mauá optou por fundar sua própria casa bancária.
Para alguns historiadores, o BB constituído em 1853 é o primeiro da historia, deixando de serem contados os estabelecimentos fundados por D. João VI e o fundado por Mauá. Nesse caso, o BB teria hoje 145 anos de existência contínua. Por outro critério, que nos parece mais correto, o BB de 1853 é o terceiro da série de bancos que não se identificam apenas pelo nome, mas pelo objetivo de promover o incipiente desenvolvimento capitalista do País (e não foi outro o alvo da vida inteira de Mauá).
É sintomático que, tendo o terceiro Banco do Brasil sido criado para proporcionar uma expansão da moeda, tenha sido acusado de exagero no cumprimento da função que lhe fora confiada pelo governo. O Banco sofria severas críticas no Parlamento cada vez que solicitava ao governo permissão para elevar o seu lastro para ampliar sua capacidade de emissão.
A campanha era forte e, já em 1858, sendo Souza Franco ministro da Fazenda, o Banco do Brasil perdeu a faculdade de ser o único emissor de moeda. Em 1860 voltou-se ao regime anterior, mas, em 1866, o BB novamente perdeu o monopólio emissor, que passou ao Tesouro Nacional, que o deteve, com exclusividade, até 1888.
Essas idas e vindas refletiam o debate que durou décadas entre a escola “papelista” de intermediação financeira e a escola “mentalista” que defendia o padrão-ouro. O BB obedecia ora a uma corrente, ora a outra, de acordo com os homens que detinham o poder em um ou outro momento.
Como observam Carlos Manuel Peláez e Wilson Suzigan em “História Monetária do Brasil”, “conquanto o Brasil não tivesse estoque de moeda puramente metálico, o Banco do Brasil recebeu privilégios extraordinários que permitiram absorver a maior parte dos bancos de emissão existentes”.
Desde o seu estabelecimento, a instituição controlou um mínimo de um terço dos serviços bancários brasileiros contribuindo em alguns dos períodos para o financiamento inflacionário do déficit orçamentário.
Contudo por volta do fim do século passado, a chamada free banking policy triunfou, retornando o País à pluralidade emissora, principalmente sobre o lastro apólices. Já em 1888, o Banco Nacional do Brasil (não confundir com Banco do Brasil) foi autorizado por decreto a emitir papel-moeda até 1894. Receberam autorização semelhante, no ano seguinte, o Banco de São Paulo e o Banco do Comércio, do Rio.
“Muitos comentaristas acreditam que foi por essa mudança de política monetária que surgiram os fatores financeiros que influíram no famoso encilhamento, fenômeno inflacionário que desabrochou nos primeiros anos da República, mas tivera raízes nos dois últimos anos do Império”, assinalam Benedito Ribeiro, Mário Mazzei Guimarães em “História dos Bancos e do Desenvolvimento financeiro no Brasil”.
O encilhamento, nos albores da República, iria marcar alguns dos piores dias do Banco do Brasil que entrava em sua quarta fase. Com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, Ruy Barbosa assume a pasta da Fazenda e a princípio, para evitar perturbações, dá continuidade à política financeira do Império, Vários bancos foram autorizados então a emitir bilhetes ao portador e à vista, conversíveis em ouro.
Procurou-se depois instituir bancos emissores por regiões do País, cada um deles com um limite fixado de acordo com o seu capital, o que parecia mais coerente com o espírito federativa da República.
O Banco do Brasil foi preservado, mas aos poucos foi deixando de ser o banqueiro do governo, prerrogativa que então passou a gozar o Banco da República dos Estados Unidos do Brasil (BREUB), que, como o BB, vivia sob o guarda-chuva do governo, mas tinha seus poderosos acionistas privados.
Em 1891, em franco retrocesso, o BB vendeu a sua sucursal em São Paulo, a única que ainda mantinha, para o Banco Construtor e Agrícola. Pior ainda: o BB transferiu ao BREUB os direitos e privilégios de emissão que lhe haviam sido concedidos em 1890 e passou para a guarda do novo banco as reservas-ouro do Tesouro Nacional, que deviam servir de lastro às emissões.
O Bando do Brasil, contudo sobreviveu ao encilhamento e, em relatório ao ministro Rodrigues Alves, que substituíra Ruy Barbosa, a presidência do BB assinala que, apesar de todas as dificuldades, o “estabelecimento ainda não se vira na contingência de regatear recursos de crédito ao comércio legítimo e às empresas e indústria de bases reais”.
Por divergências com a política financeira que vinha adotando o governo do marechal Floriano Peixoto, Rodrigues Alves deixou o governo em 1892, sendo substituído na pasta da Fazenda por Serzedelo Corrêa.
Uma das primeiras providências foi a de promover entendimentos entre BB e BREUB para a sua fusão. Isso efetivamente ocorreu no ano seguinte, dando origem ao Banco da República do Brasil (BRB).
Contudo como comenta Cláudio Pacheco, para os seus acionistas, para os seus depositantes, para os seus mutuários de toda espécie que passaram a ser cliente do Banco da República do Brasil, o Branco do Brasil continuava existindo em uma nova identidade.
O grande trauma para o Banco do Brasil na época não foi à mudança de nome. Assumindo o governo em 1898, o presidente Campos Salles, para equilibrar as contas públicas e por fim à crise financeira que vinha do Império, contratou um funding loan em Londres e, para poder cumprir com os compromissos assumidos, submeteu o País a um duríssimo regime de austeridade, levando à paralisia dos negócios e à deflação. Vários bancos sucumbiram entre eles o Banco da República do Brasil.
O presidente Campos Sales concordou em ir a auxílio da instituição, com a condição de que ficasse sob um controle mais estrito por parte do governo, reduzindo a influência que os grandes acionistas privados tinham adquirido.
A reabilitação do Banco do Brasil, o quinto deste nome, só foi ocorrer no governo do presidente Rodrigues Alves, que, em mensagem ao congresso em 1904, advertiu que os meios de que dispunha o Banco da República eram “insuficientes para imprimir ao movimento econômico do país o impulso que fora de desejar” para o fortalecimento do banco do governo que, daí por diante, voltaria a chamar-se Banco do Brasil.
O estabelecimento que reorganizaram deveria ser ao mesmo tempo, um instrumento de apoio às atividades comerciais, agrícolas e industriais e exercer funções de banco central, “dispondo de capital abundante para redesconto dos papéis dos outros bancos, para adiantar aos outros bancos e, finalmente, para ampará-los nos momentos de crise.”
E, claro, defender a moeda, com forte atuação no câmbio. “A pedra angular do Banco reformado”, diz o relatório final do governo Rodrigues Alves, “tinha de ser a franca, possante, oficial instituição de um aparelho regulador das taxas cambiais para evitar oscilações bruscas”.
O presidente, que fora duas vezes ministro da fazenda (nos governos Floriano Peixoto e Prudente de Moraes), considerava intolerável que os movimentos cambiais no Brasil tivessem permanecido durante tanto tempo sob o controle de especuladores estrangeiros.
Texto publicado de Klaus Kleber. De São Paulo (Créditos)
Publicado no Jornal Gazeta Mercantil. (sexta-feira, 13 de novembro de 1998) Relatório. Página 4.
Digitação: Vithor Calado.
Jornal impresso do arquivo Histórico do Prof. Gilvandro.