Militares não tinham rumo em 1964

Militares não tinham rumo em 1964. Livro com 12 entrevistas revela pensamento de oficiais que ajudaram a derrubar Jango.

Militares não tinham rumo em 1964. O movimento militar que depôs o presidente Joao Goulart em 31 de março de 1964 foi resultado de ações desordenadas e dispersas, carentes de uma liderança que lhes imprimisse uma estratégia definida e objetivos claros a serem atingidos. Mais que isso.

Quando chegaram ao poder, os militares não sabiam o que fazer com ele. Não tinham projeto para o país, muito menos ideia de quanto tempo ficaria no seu comando.

Essas e outras teses aparecem no livro “visões do Golpe — a Memoria Militar sobre 64″ (editora Relume Dumará), reunindo depoimentos inéditos de 12 militares que em 64 ocupavam cargos médios na hierarquia das Forcas Armadas.

Se não tiverem a importância nos preparativos da ação que derrubou Joao Goulart, os depoentes assumiriam depois funções estratégicas dentro dos governos militares a maioria delas ligadas ao serviço de informações – a “caixa-preta” do regime.

O livro, feito a partir de entrevistas gravadas, foi organizado pela cientista politica Maria Celina D’Araujo, pelo sociólogo Gláucio Ary Soares e pelo antropólogo Celso Castro, todos pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação( CPDoc) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.

O sentimento anticomunista está no centro das razões que, segundo os entrevistados, levaram a deposição de Goulart.

Não se tratava apenas do ameaça comunista que supostamente pairava sobre o Brasil de Jango, mas também dos riscos que o comuníssimo representava a própria instituição militar, funcionando como elemento de subversão da hierarquia e da disciplina dentro das Forcas Armadas.

E sintomático que, para explicar o movimento de 31 de marco, os depoentes citarem com frequência a “revolta dos marinheiros”, ocorrida seis dias antes, e a “revolta dos sargentos” de setembro de 63.

Como personagens secundários em 64, os entrevistados deixam transparecer em suas falas um sentimento de perplexidade e a impressão de desordem acentuada no interior do movimento de que participavam.

Não tinham a ideia de continuidade histórica nem acesso as informações que circulavam entre os principais generais conspiradores, como Golberi do Couto e Silva, Carlos Luis Guedes, Mourão Filho, Osvaldo Cordeiro de Farias, entre outros.

 É essa aparente “desimportância” dos depoentes que dá interesse particular ao livro, sobretudo porque até hoje a atenção dos pesquisadores do regime presa aos “generais de 64”.

No decorrer das entrevistas, fica claro que a concepção de uma “ditadura militar” não nasceu em 64, com um projeto pronto e deliberado, mas foi se formando aos poucos.

Como diz a introdução do livro, foi exatamente da jovem e media oficialidade que surgiram tanto “as demandas de fechamento das instituições e de radicalização do regime, como oficiais que mais tarde seriam peças fundamentais para a abertura politica”.

“Visões do Golpe” cobre o período que vai da renuncia de Jânio Quadros, em 25 de Agosto de 1961, ate a posse de Costa e Silva, em 15 de marco de 1967. Esse recorte histórico se explica no livro. Para alguns entrevistados 64 aparece como revanche de 61.

A solução parlamentarista, que conduziu um Jango fragilizado ao governo, representou para muitos não uma imposição dos militares, mas uma derrota. Com a ascensão de Costa e Silva, ficava claro que o regime mudava de perfil. O grupo que assumia as rédeas do poder estava disposto a “radicalizar a revolução”, anulando qualquer espécie de oposição, por ínfima que fosse.

Texto autor: Fernando de Barros e Silva

Folha de São Paulo 20 de março de 1994

Arquivo Histórico físico Prof. Gilvandro

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