O senado e a Política de Relações Exteriores no Império.
O professor Amado Luiz cervo é titular da cadeira de “História das Relações Internacionais” no Curso de História da UnB e Editor Chefe da Revista Brasileira de Política Internacional.
Ele conversou com o “Histórias do Brasil” acerca das discussões, no Parlamento Brasileiro, sobre a condução das relações exteriores depois da Independência no Século XIX.
Histórias do Brasil – De acordo com o seu trabalho: “O Parlamento Brasileiro e as Relações Exteriores, 1826 – 1889”, fale sobre as preocupações politicas da Câmara dos Deputados e do Senado Imperial.
Amado Cervo: Uma pergunta muito interessante, justamente porque, no Século XIX o Senado, mais do que a Câmara dos Deputados, ocupava-se com a politica, além da legislação. Essa é uma grande diferença em relação às duas Casas do Congresso atual.
No século passado, o Senado especificamente acompanhou e teve um grande poder decisório nas principais questões nacionais: a correção das relações internacionais do Brasil estabelecidas à época da Independência; o Rio da Prata, que foi a questão de segurança de maior importância no Século XIX; a imigração, que era vital no Século XIX; a questão da abolição do tráfico de escravos e da escravatura; o comercio exterior; a industrialização c outras tantas.
Eram questões políticas, muito mais do que legislativas; claro tem sempre te impacto sobre a legislação, mas, em primeiro lugar, havia um debate politico de grande responsabilidade, sobretudo no Senado.
Isto porque o Senado era vitalício, preocupava-se com questões de mais longo prazo, do que a Câmara dos Deputados, que era temporária e estava maus voltada para questões circunstanciais. O Senado tinha aquela visão de médio e longo prazo, de responsabilidade pelo Brasil.
Histórias do Brasil – No que se refere às relações exteriores quais eram as atribuições do Parlamento na época de sua criação?
Amado Cervo – Em 1826 o Parlamento foi aberto sem Atribuição alguma em termos de politica exterior. Por isso, a politica exterior brasileira na época da Independência, com seus tratados desiguais, foi um desastre para o Brasil.
Foi nociva sob todos os aspectos, esteve fora do controle, do acompanhamento e do debate no Senado na Câmara dos Deputados.
Um dos Motivos da renúncia de D. Pedro I foi justamente à tomada de decisões na área externa, altamente prejudicial ao Brasil. Em 1828, no entanto, a Câmara iniciou uma crítica veemente contra as decisões na área de politica exterior.
Essas criticas repercutiram sobre o Senado, que as encampou. Em 1831, quando D. Pedro I abdicou, o Senado e a Câmara atribuíram-se poderes decisórios sobre as relações internacionais brasileiras.
Todo o sistema de tratados da época da Independência, que obstou a industrialização do país e o manteve agrícola por mais de um século, teria sua vigência assegurada, porém não sua renovação.
Os Tratados estabelecidos com as grandes potências no Século XIX eram sempre prejudiciais aos pequenos países. O Parlamento esteve na origem de uma correção de rumos da política exterior brasileira.
Histórias do Brasil – O reconhecimento da Independência do Brasil foi muito discutido pelo Parlamento. Quais foram as manobras politicas para o estabelecimento de relações com outras nações?
Amado Cervo – A Independência do Brasil foi inegavelmente uma conquista das Armas Nacionais, da opinião publica e do sentimento nacional.
Em 1823, quando a Guerra terminou, nada ameaçava a Independência do Brasil, absolutamente nada, nem a Santa Aliança, nem muito menos Portugal ou uma eventual coalizão entre Portugal e Espanha em uma manobra conjunta para submeter às Nações da América Latina. Ocorreu, assim, um grande erro estratégico.
O governo brasileiro mandou missões para todo mundo, aos quatro ventos; foram enviadas missões para França, Grã-Bretanha, Áustria, Estados Unidos, Santa Sé, Buenos Aires, enfim, para toda parte, com o objetivo de negociar o reconhecimento da Independência.
Com isso, criou-se um poder de barganha, colocado nas mãos dos outros governos, sobretudo da Grã-Bretanha, um poder de pressão que esses países não detinham.
George Canning, grande estrategista britânico àquela época, percebeu essa oportunidade e negociou o reconhecimento da Independência em troca de favores comerciais e econômicos.
O Brasil teve um mero ganho político e fez grandes concessões económicas. Essa negociação foi um erro estratégico porque intercambiar ganhos políticos por ganhos econômicos é uma péssima estratégia de política exterior para uma nação.
E foi o que o Brasil fez. Enviou missões que negociaram o reconhecimento da sua Independência e em troca disso assinou cerca de duas dezenas de tratados. Taís acordos definiram as condições de inserção internacional da jovem nação: estruturalmente dependente na divisão internacional do trabalho e condicionada à realização de interesses do capitalismo industrial dos países centrais.
Esta inserção manteve o país no patamar de país agrícola, socialmente primário, com o desenvolvimento industrial, o progresso da navegação e de outras atividades nacionais obstruídos.
Convém dizer, para concluir, que o Parlamento não teve absolutamente nenhuma responsabilidade nisso. Aquela época, o Parlamento não tinha poder decisório algum sobre as relações exteriores do Brasil.
Histórias do Brasil — Como eram, no Parlamento, as discussões entre os partidos para decidir sobre questões relativas a assuntos externos?
Amado Cervo – O Parlamento brasileiro no Século XIX teve uma percepção, uma consciência nacional, que se sobrepunha aos partidos, às circunstâncias, até mesmo aos governos e aos gabinetes.
Havia uma visão nacional quando se tratava de tomar decisões na área externa. Uma visão, portanto, de muita responsabilidade. Desde 1830, quando se configura o quadro partidário entre liberais e conservadores, os partidos pouco influíam nesse campo.
E justamente nas decisões de politicas exteriores, que primeiramente se estabelece a chamada conciliação política. Entre 1850 e 1860, ela também toma uma feição interna, como muito bem mostrou o historiador José Honório Rodrigues.
A meu ver, essa conciliação, que na área externa foi oportuna para a realização de interesses nacionais, na área interna não foi tão meritória. O Parlamento tornou-se muito conservador: os políticos liberais tinham posições conservadores; os políticos conservadores, por sua vez, defendiam causas liberais.
No conjunto, os políticos eram mais conservadores do que liberais. Por isso, reformas importantes foram postergadas, como a abolição da escravatura, uma vez que o Parlamento desejava reformas lentas, nada de quebras, rupturas ou revolução.
Histórias do Brasil — Como eram as relações entre os países no século XIX?
Amado Cervo – Havia um sistema internacional de relação de dominação e dependência entre as grandes potências capitalistas do Século XIX e a periferia.
Nesse sistema, o Brasil era muito dependente, sobretudo da Inglaterra, país com o qual vários acordos financeiros e comerciais eram mantidos; relação de dependência que posteriormente fora transferida para os Estados Unidos.
Em contrapartida, havia o subsistema platino, regional, que englobava o Prata ou o Cone-Sul, como conhecemos hoje. Nesse subsistema regional, o Brasil mantinha certa hegemonia, era a grande potência da região – um Estado consolidado, que controlava a sociedade e cujas instituições políticas funcionavam harmoniosamente.
A estabilidade do Brasil era de tal monta que podia até mesmo recorrer ao uso da força, tendo na Marinha uma garantia para impor a sua vontade, quando a diplomacia não atingisse os fins da politica.
Enquanto isso, os demais países platinos estavam, ainda, em convulsão social. Somente em 1860, a Argentina e o Uruguai atingiram estabilidade política.
Créditos: Informativo do projeto O Senado na História. Ano 1 n° 7 outubro de 2000