Os grandes guerreiros da Amazônia

Os grandes guerreiros da Amazônia

Os mundurucus, como seus antepassados por centenas de anos, se pintaram para a guerra. Esses índios de porte altivo, considerados outrora como os mais belicosos dentre os que habitavam a Amazônia e que muito trabalho deram para os brancos que os tentaram subjugar, têm orgulho de seu passado guerreiro. “Se eles insistirem na construção de hidrelétricas nas nossas terras, vamos atacar”, garantiu Josias Manhuary, um de seus líderes, à repórter Aline Ribeiro, da revista Época.

O guerreiro das margens do Tapajós, revoltado com os planos de aproveitamento do potencial hídrico do rio que dá ao seu povo o peixe diário e a possível inundação das terras em que estão enterrados os seus antepassados, afirmou: “Somos cortadores de cabeças!”.

E é fato. A captura de cabeças humana era o motivo que levava os mundurucus, que, provavelmente, já habitavam a região do Tapajós mil anos antes da chegada dos europeus, a organizar sua sociedade em função da guerra.

“Ainda hoje eles têm essa tradição de povos guerreiros, apesar dos constrangimentos da colonização, da catequese e da relação com o Estado”, explica o antropólogo da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Florêncio Almeida Vaz.

Como ativista indígena da etnia maitapu e frade franciscano, frei Florêncio, como é mais conhecido, estuda o encontro dos povos indígenas no baixo e médio Tapajós com os colonos portugueses e como se deu o acordo que selou a paz entre índios e lusos no final do século XVIII, mudando a história da região.

Uma rica fonte documental sobre os mundurucus foi deixada por cronistas e viajantes do século XIX, como os naturalistas alemães Spix e Von Martius, que visitaram a região do Tapajós entre 1817 e 1820.

Em seus relatos, eles descrevem que os “mundurucus, mundrucus ou muturicus, antes do ano de 1770, mal eram conhecidos no Brasil pelo nome; mas, daí em diante, irromperam em numerosas hordas, ao longo do rio Tapajós, destruíram as colônias e tornaram-se tão temíveis que foi necessário mandar contra eles tropas, às quais se opuseram com grande audácia”.

Chamado pelos indígenas de tribos rivais de paiquicé, ou corta-cabeças, o povo mundurucu atribuía grande significado ritual às cabeças capturadas e cuidadosamente preservadas por um meticuloso processo de mumificação.

Todos os inimigos homens adultos de uma tribo atacada eram mortos e suas cabeças, mantidas como troféus de grande valia. Os guerreiros acreditavam que, com isso, adquiriam poderes mágicos que garantiam a fartura e a sobrevivência de seu povo.

A cosmologia desse povo – pertencente ao tronco linguístico tupi –, responsável por sua atitude belicosa, levou à perseguição e ao extermínio de povos como os jumas e os jacarés, tendo influenciado também no deslocamento dos parintintins e dos kawahiwas em direção aos rios Juruena e Teles Pires.

Os mundurucus perseguiram ainda os muras e lutaram contra os maués, araras e apiacás. “A guerra fazia parte do cotidiano. Eles tiveram de adaptar esse valor para outras formas rituais, como o xamanismo e outras crenças que continuam associadas à guerra”, diz frei Florêncio.

O primeiro relato que se tem acerca da existência do povo mundurucu remonta a 1542 e é do cronista e padre espanhol Gaspar de Carvajal, que integrou a expedição de Gonçalo Pizarro (irmão de Francisco Pizarro), de Quito à foz do rio Amazonas, passando pelo baixo Tapajós.

“Ele já fala da característica de pintar o rosto de preto”, conta frei Florêncio. “Guerrear, para esse povo, era afirmar-se como gente. Além de lutar contra outros povos indígenas, o inimigo passou a ser também os portugueses”, diz Almeida Vaz.

Por volta de 1770, os mundurucus fizeram uma série de ataques aos povoados localizados à beira do Tapajós, ponto de exploração de colonos luso-brasileiros e aldeias missionárias que haviam sido estabelecidas pelos jesuítas. Em 1773, foram responsáveis pelo assalto à fortaleza do Tapajós, em Santarém.

“As incursões pela floresta em busca das cabeças-troféu eram longas. Há registros de que estes índios tenham chegado até o Xingu”, destaca o historiador e indigenista André Ramos.

Há 26 anos na Fundação Nacional do Índio (Funai), Ramos viveu uma década na aldeia Waro Apompo, no rio Cururu, um dos afluentes do Tapajós na parte alta. “A guerra tem uma função de renovação de vida; as cabeças tinham um papel importante nessa organização”, explica o pesquisador.

O padre português Manuel Aires de Casal, em 1819, chamava a área ocupada por esse povo de Mundurucânia, um território que compreendia os rios Juruena, Amazonas, Madeira e Tapajós. Em razão da ocupação progressiva dos brancos, os mundurucus acabaram se refugiando no alto Tapajós, onde permanecem até os dias atuais. Os jesuítas cumpriram importante papel na ocupação do Tapajós.

Para expandir a catequese, instalaram-se em aldeias como a de São José ou Maitapus, em 1772; a de Santo Inácio ou Tupinambaranas, em 1737; e, em 1738, as de Borani e Arapiuns, que se destacaram pelo desenvolvimento, todas localizadas no baixo e médio Tapajós.

Vendo o avanço do inimigo, os mundurucus passaram a atacar sem descanso os assentamentos dos colonos a partir da última década do século XVIII.

Na tentativa de conter a ameaça indígena, o poder colonial enviou, em 1794, uma força com cerca de 500 soldados com a missão de atacar os mundurucus até em suas aldeias do alto Tapajós, no atual rio das Tropas.

A missão tinha o objetivo de atacar os índios, mas uma reviravolta aconteceu…

Fabíola Ortiz é jornalista

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