Sítio arqueológico maia de Chichén Itzá: sacerdotes promoviam sacrifícios humanos para reagir a catástrofes naturais –
Terremotos desaparesseram com grandes civilizações. A Praça Darbar foi destruída. A Torre Bhimsen perdeu grande parte de sua estrutura. Todo o templo budista de Swayambhunath sacudiu.
Em menos de um minuto, no fim de abril, o patrimônio secular do Nepal sucumbiu a um dos maiores terremotos de sua História — e os tesouros culturais remanescentes foram afetados por novos tremores esta semana.
A tragédia lembra os sismos que enterraram algumas das civilizações que mais contribuíram para escrever a História da Humanidade, da Idade do Bronze aos incas e maias.
Entre os pesquisadores, há cada vez mais disposição em ligar o sumiço de impérios a catástrofes naturais, em vez de relacionar estes episódios somente a guerras e grandes migrações.
A lembrança de terremotos é ainda mais óbvia se considerado o fato de que as sociedades antigas, em geral, não dominavam técnicas de reforço a suas edificações, nem contavam com tecnologia para previsão de sismos.
Além da destruição física, os terremotos levaram também a conflitos religiosos e crises de regimes políticos.
— Os desastres ambientais estão entre os fatores que desencadearam o colapso de civilizações durante a Idade do Bronze, como a queima de sítios palacianos na ilha de Chipre e a crise do reinado do faraó egípcio Ramsés IV — revela Thomas Levy, professor do Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia em San Diego. —
A seca e a degradação ambiental levaram ao abandono dos sistemas agrícolas no Mar Egeu. As pessoas tiveram que deixar a região.
Terremotos desaparesseram com grandes civilizações. QUEDA EM ‘EFEITO DOMINÓ’
A sentença de morte imposta pela natureza turbulenta na Idade do Bronze é tema do livro “1177 b.C. — The Year Civilisation Collapsed” (1177 a.C. — O ano em que a civilização entrou em colapso”, em tradução livre).
Entre o ano destacado no título e 1225 a.C., grandes sociedades — entre elas, antigos egípcios, babilônios, minoicos e micênicos —, sucumbiram entre confrontos, terremotos e mudanças climáticas.
Autor do livro e antropólogo da Universidade George Washington, Eric Cline destaca que, no final da Idade do Bronze, havia uma grande ligação entre civilizações na faixa do Mediterrâneo Ocidental ao Oriente Médio.
Esta interação era marcada por trocas comerciais, casamentos reais arranjados e o estabelecimento de embaixadas. Entre os produtos mais cobiçados no mercado estavam o cobre, que vinha do Chipre; o estanho afegão; e o ouro egípcio.
Pesquisas recentes conduzidas por arqueosismólogos demonstraram que a Grécia, a Turquia e grande parte dos mares Egeu e Mediterrâneo Oriental foram atingidos por sismos durante meio século. Este evento é hoje conhecido como “tempestade de terremotos”.
— O fim da Idade do Bronze foi determinado pela liberação de pressão em uma falha sísmica, o que fez terremotos durarem décadas — explica Cline. — Além dos sismos, há também evidências de que estas populações sofreram com as mudanças climáticas, a seca e a fome. Estes fatores, se conectados, podem causar ainda mais problemas.
Por exemplo, eles provocam grandes migrações, e esta população pode ser encarada como “invasora” de outras sociedades. O relacionamento entre as civilizações locais era tão grande que, quando uma entrou em colapso, o impacto acabou sentido pelas outras. Todas caíram, como um efeito dominó.
Os terremotos de 3,2 mil anos atrás soterraram por séculos o desenvolvimento cultural da Humanidade:
— A maioria dos reinos ou impérios desmoronou completamente ou tornou-se uma mera sombra do que foi — conta o pesquisador.
— O Egito retrocedeu sua presença em Canaã; a Grécia mergulhou na Idade das Trevas, de onde não sairia por 300 anos. Levou muito tempo até termos sinais de recuperação.
Outra vítima da Idade do Bronze foi Harappa, a primeira civilização da Índia.
Uma equipe da Universidade de Stanford (EUA) tenta comprovar que aquela sociedade, que já acumulava 2 mil anos de existência, sumiu do mapa diante de um terremoto — e não devido a crises econômicas ou por supostas invasões, como mencionam estudos anteriores.
Os cientistas lembram que a região onde estava Harappa foi sacudida por um sismo no início do século XIX, rasgando o território em uma faixa de aproximadamente 80 quilômetros.
O fenômeno poderia corroborar a hipótese de que, milhares de anos atrás, um abalo ainda maior teria bloqueado ou desviado a água que fluía até a cidade indiana, inviabilizado a agricultura e dando a ela sua atual aparência desértica.
Na China, os sismos estariam por trás da destruição da civilização sanxingdui, no atual Sudoeste do país. Uma equipe sino-americana de arqueólogos apresentou a teoria no fim do ano passado, na reunião da União de Geofísica dos EUA.
Um enorme tremor pode ter causado enormes deslizamentos de terras, o que provocou o desvio da principal fonte de água daquela sociedade, obrigando-a a se deslocar para outro lugar.
Os tesouros daquela civilização foram descobertos em 1929 por um camponês, a mais de 40 quilômetros da região original dos sanxingduis. Mas somente em 1986 os pesquisadores retomaram à região, voltando com jades, cerca de 100 presas de elefante e esculturas de bronze de até 2,4 metros.
Após analisar as peças, Niannian Fan, pesquisador da universidade chinesa de Tsinghua, afirma que a civilização responsável pelas obras de arte teria se desmantelado até 2,8 mil anos atrás.
— As explicações atuais para este desaparecimento são a guerra e a inundação, mas não são muito convincentes — condenou Fan, durante o congresso.
Terremotos desaparesseram com grandes civilizações. CASTIGO DOS DEUSES
Nas Américas, os primeiros sinais de civilizações afetadas pelos tremores de terra são mais recentes. E, muitas vezes, os desastres naturais eram encarados como punições religiosas, segundo Alcione Giacomitti, pesquisador de culturas andinas.
— Os terremotos, entre outras catástrofes, têm influência direta na condução e no destino dos povos. Para eles, era uma ligação direta com a vontade dos deuses — assinala.
— Cada acontecimento na Terra teria um relacionamento com algo sobrenatural. Assim, além de interferir em destinos físicos de Estado, como cidades e casas, e provocar mortes, o sismo também tinha um papel relevante do ponto de vista religioso.
A classe sacedotal podia adotar medidas drásticas visando “aplacar a ira divina”. Os maias faziam sacrifícios humanos, e podiam até se mudar de cidades, imaginando que fugiam de maldições.
No século IX, dois centros culturais do período clássico maia — as cidades de Quirigua (na atual Guatemala) e Benque Viejo (Belize) — foram subitamente abandonados.
— Os terremotos foram um dos motivos da decadência do Império Maia, muito antes da chegada dos espanhóis ao continente — avalia Giacomitti.
— Isso afetava o controle e o domínio dos sacerdotes sobre o povo, já que eles perdiam autoridade caso as catástrofes continuassem abatendo aquela civilização.
Em uma cidade, a população cansou de entregar pessoas para sacrifícios e assassinou os religiosos. Seus corpos foram encontrados em uma gruta subterrânea.
Machu Picchu. Cidade sagrada é símbolo da engenharia avançada do Império Inca – Tatiana Farah / Agência O Globo
Terremotos desaparesseram com grandes civilizações. FIM MISTERIOSO
Os sismos também fizeram parte da trajetória da civilização Tiawanaku, na Bolívia, uma das mais misteriosas do mundo.
Localizada a mais de 4 mil metros de altitude e considerada precursora do Império Inca, a cidade era repleta de construções desenvolvidas para suportar os tremores comuns na região. Entre seus vestígios estão pirâmides e a mítica Porta do Sol.
— Existe a possibilidade de que a ocorrência de terremotos também remetesse a maldições e crenças — diz o pesquisador.
— Os sismos deviam afetar a migração dos povos e sua estrutura religiosa. Ainda precisamos de novos estudos, mas as mudanças climáticas teriam influenciado para um fim drástico da sociedade.
A população que deixou a cidade fundou o Império Inca, cuja resistência aos terremotos costuma ser louvada por historiadores.
Seu retrato mais famosa é a cidade sagrada de Machu Picchu, cujas ruínas resistem no Peru, um país onde são registrados cerca de 100 sismos por ano. Seus blocos construídos à mão são de granito, material dez vezes mais forte do que o concreto.
— Os incas tinham conhecimento sobre os constantes tremores de terras sobre seu império e por isso todas as suas construções eram edificadas contra abalos sísmicos — lembra Giacomitti.
— São grandes obras de engenharia. A civilização louvava uma figura sagrada para garantir sua segurança: Pachacamac, o deus dos terremotos e tremores de terra.